Foi no governo do marechal Floriano Peixoto,
em 1892, que deu-se a criação da Comissão Exploradora do Planalto Central do
Brasil. Sua missão era demarcar a área de 14,4 mil km2 destinada a sediar a
futura Capital do País, como estava previsto no Artigo 3º da Constituição de 24
de fevereiro de 1891. O astrônomo belga Luiz Cruls, naturalizado brasileiro,
foi encarregado de chefiar a Comissão constituída de geógrafos, agrônomos,
engenheiros, médicos e militares. Batizada de Missão Cruls, seus 21 membros saíram
do Rio em 9 de junho de 1892.
Commissão Exploradora do Planalto Central do Brazil
Por portaria de 17 de Maio do anno proximo passado foi organizada a «Commissão Exploradora do Planalto Central do Brazil» , e confiada a sua direcção ao Director do Observatorio Astronomico do Rio de Janeiro, Sr. Luiz Cruls, a quem nessa data foi endereçado o seguinte aviso:
«Ministerio dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas — 2ª Directoria das Obras Publicas — 1ª Secção — N. 119 A — Rio de Janeiro, 17 de Maio de 1892.
«Em observancia á disposição constante do artigo 3º da Constituição Federal e para dar cumprimento á resolução do Congresso Nacional, que consignou na Lei do orçamento em vigor a verba destinada á exploração do planalto central da Republica e consequente demarcação da área que deve ser occupada pela futura capital dos Estados-Unidos do Brazil, é, nesta data, nomeada a comissão encarregada de taes trabalhos, cuja direcção é confiada ao vosso conhecido zelo e provada competencia.
(p. 235 - gif 237)
«No desempenho dessa importante tarefa deveis proceder aos estudos indispensaveis ao conhecimento da posição astronomica da área a demarcar, da topographia, orographia, hydrographia, condições climatologicas e hygienicas, natureza do terreno quantidade das aguas que devem ser utilisadas para o abastecimento, materiaes de construcção, riqueza florestal, etc., da região explorada, e tudo o mais que directamente se ligue ao assumpto que constitue objecto da vossa missão.
«No decurso de taes trabalhos, e tanto quanto possivel, podereis realisar, não só os estudos, que julgardes de vantagem e utilidade para mais completo desempenho de vosso encargo, mas ainda os que possam concorrer para a determinação de dados de valor scientifico com relação a essa parte ainda pouco explorada do Brazil.
«Da inclusa copia da portaria desta data consta o pessoal que faz parte da referida commissão.
«Saude e Fraternidade (...)» .
Partindo desta Capital em Junho, chegou a commissão a Pyrenopolis a 1 de Agosto, tendo levantado todo o itinerario percorrido na extensão de 500 km [sic].
Em Março do corrente anno terminou os trabalhos de campo a ultima turma, passando-se, nesta Capital, aos trabalhos de escriptorio, iniciados desde Janeiro.
Mensagem vossa ao Congresso Nacional em 30 de Setembro do anno passado pediu a consignação de verba, no corrente exercicio, para ultimarem-se os trabalhos, assim de campo como de escriptorio, publicação do Relatorio, mappas, etc., a que elle attendeu, votando para esse fim o credito de 80:000$000.
Os principaes trabalhos da commissão exploradora, conforme o Relatorio parcial do respectivo chefe, consistiram de:
1º — Demarcação da zona reservada para o Districto Federal, com uma extensão de 14.400 kilometros quadrados, e limitada por dois arcos de parallelo e dois arcos de meridiano.
2º — Levantamento dos itinerarios percorridos, numa extensão de cerca de 400 kilometros.
p. 236 - gif 2378
3º — Levantamento das lagôas «Feia», «Formosa» e «Mestre d'Armas».
4º — Medição das despezas dos rios Corumbá, Congonhas, do Ouro, Areia. Descoberto, Alagado, Santa Maria, Palmital, Saia-Velha, Mesquita, Sant'Anna, Papuda, Paranoá, Mestre-d'Armas, Pipiripau, Preto e Jardim.
5º — Declinação magnetica em Pyrenopolis, Entre-Rios, Santa Luzia, Formosa e Goyaz.
6º — Posição geographica de grande numero de pontos e suas altitudes.
7º — Differença de longitude pelo telegrapho electrico entre Goyaz, Uberaba, S. Paulo e a Capital Federal.
8º — Estudo da geologia da região explorada.
9º — Collecção mineralogica e botanica da mesma região.
10º — Plantas das cidades de Catalão, Pyrenopolis, Santa Luzia, Formoza Goyaz e Mestre d"Armas.
11º — Photographias de grande numero de vistas.
Relatório Cruls, 1894Relatório da 1ª Missão
Cruls
p. 17
Introducção
Quando, em Maio de 1892, o governo mandou nos
chamar, afim de nos confiar a missão de explorar o Planalto Central do Brazil e
n'elle demarcar a área que, segundo o que prescreve a Constituição, deve ser
reservada ao futuro Districto Federal, e ai ser opportunamente mudada a nova
Capital da União, não nos illudimos a respeito da magnitude do assumpto, e ao
mesmo tempo da responsabilidade que ia pesar sobre nós perante o paiz
inteiro, aceitando tão honrosa quão espinhosa tarefa.
Agora que podemos dar por concluída a nossa
missão, com a publicação do presente Relatorio, em que se encontram os
resultados dos nossos trabalhos, convenientemente desenvolvidos, talvez não
seja fóra de proposito mostrar que, procedendo á exploração e demarcação da
área pelo modo e na localidade onde foi feita, procurámos seguir o espirito que
animou o legislador quando inseriu na Constituição vigente o Art. 3º que
reproduzimos á pagina 69 d'este Relatorio.
Não ha negar que os membros da Constituinte,
ou melhor a Commissão dos 21, escolhida no seu seio, e a quem ficou incumbida a
elaboração do projecto da Constituição, inspiráram-se nos trabalhos anteriores
e já antigos de estadistas nacionaes de grande nomeada, sobre o magno assumpto
da mudança da Capital do Brazil para algum ponto do interior do territorio
1[Vide ás paginas 27 a 29 d'este
Relatorio a parte que trata do historico da questão].
p. 18
E este nosso modo de ver nos parece tanto
mais fundado, quanto um dos autores do Art. 3º da Constituição, hoje, com
assento no Senado Federal, publicou n'um dos mais importantes orgãos da
imprensa diaria, uma serie de artigos sobre a projectada mudança da Capital,
lembrando as diversas phases historicas da questão, e apontando a região do
Brazil assignalada, por assim dizer, pela natureza como devendo um dia
tornar-se a séde de uma nova Capital.
A Commissão não podia desconhecer, pois, as
bases historicas, em que assentava este projecto, sob pena de desvirtuar
o pensamento do legislador. Cabia-lhe, porém, toda a responsabilidade
da escolha da zona de accordo com os fins que a Constituição tivéra em vista.
Esta responsabilidade, assimimol-a
completamente, convencido de que a demarcação effectuada é a unica que
corresponde ao desideratum que fôra susceptivel attingir.
Vejamos, em primeiro logar, qual o sentido
das palavras do art. 3º da Constituição, onde se encontra a expressão planalto
central do Brazil. É evidente que, por planalto central, se deve entender a
parte do planalto brazileiro mais central em relação ao centro do territorio,
isto é, mais proximo d'este. Esta é, indubitavelmente, a unica interpretação
exacta da expressão planalto central que figura na Constituição. Admittindo
isto, examinemos qual a configuração que apresenta o planalto brazileiro, cujas
altitudes, segundo os geologos mais autorisados variam entre 300 e 1.000 metros
ou superior a 1.000 metros. A unica parte, porém, d'este planalto, que nos
interessa, é evidentemente a mais elevada, portanto, só trataremos
d'aquella cuja altitude é de 1.000 ou acima de 1.000 metros.
Este planalto occupa grande parte dos Estados
do Rio de Janeiro, e Minas Geraes, parte menor do de Goyaz, e extende-se, sob
fórma de fachas estreitas, uma na Bahia, a léste do rio São Francisco, outra ao
oeste d'este mesmo rio, até os limites do estado de Goyaz com os do Maranhão e
do Piauhy, outra, finalmente, ao longo do littoral, em direcção ao sul, até o
Rio Grande. Eis, em traços largos, a configuração geral do planalto brazileiro
que nos interessa directamente.
D'este planalto, porém, a unica parte á qual
cabe a denominação de central é aquella que se acha nas proximidades dos
Pyreneus, no Estado de Goyaz, não sómente por ser, na realidade, a mais proxima
do centro do Brazil, como tambem, por se acharem ahi as cabeceiras de alguns
dos mais caudalosos rios do systema hydrographico brazileiro, isto é, o
Tocantins, o São Francisco e o Paraná. Das tres achas do planalto, que acima
mencionamos, duas ha que, por serem evidentemente demais excentricas, não
preenchem uma das mais importantes condições, a que deve satisfazer a região a
demarcar, são: 1º aquella que se extende, ao longo do littoral, em direcção ao
Rio Grande do Sul; 2º aquella que se acha a léste do rio São Francisco. A
terceira facha, que se prolonga para o norte, entre os valles do Tocantins e do
São Francisco, mais central do que as duas outras, tem por desvantagem, em
comparação á região por nós escolhida, a sua posição em relação ao systema
hydrographico constituido pelas grandes vias fluviaes, já mencionadas.
Na realidade, a mudança da Capital Federal, é
assumpto tão importante que se liga directamente com tantos e tamanhos
interesses da nação, que deve ser encarado pelos seus lados mais amplos. Não
devemos nos limitar as condições actuaes da questão, mas tambem as condições
futuras. Os grandes rios, que nascem na região do Planalto Central do Brazil, e
por um capricho singular da natureza, têm suas cabeceiras, como que reunidas em
um só ponto, estão na actualidade e infelizmente, incompletamente navegaveis,
por achar-se o curso de suas aguas obstruido em muitos pontos. Devemos, porém,
esperar que, com o correr dos tempos, ráie o dia em que elles virão a tornar-se
navegaveis em todo o seu percurso; quando chegar este dia, e que um systema de
vias ferreas ligar a nova Capital com os grandes rios, cujas aguas descem para
o Norte, para o Sul e para Léste, então achar-se-ha realisada a palavra
prophetica do visconde de Porto-Seguro, mencionada á pag. 28 d'este Relatorio.
p. 19
Por ahi vê-se que, de todo o planalto
brazileiro, a parte que, a priori, podia ser considerada a unica que
satisfizesse a dupla condição de ser a mais central e visinha das cabeceiras
dos grandes rios, é aquella a que a Commissão restringio sua exploração, e onde
demarcou a área reservada para o futuro Districto Federal.
Em summa, acreditamos que procedendo á
demarcação na região onde a fizemos, correspondemos ao que o legislador tivera
em mente, quando inseriu na actual Constituição o Art. 3º. E o nosso mode de
pensar parece encontrar confirmação na propria resolução do Congresso Nacional,
mandando agora proceder á fixação do local para a futura Capital da Republica
na zona demarcada no planalto Central. Votando esta resolução, os Membros do
Congresso, aliás os mesmos que, em 1891, mandaram proceder á exploração e
demarcação da área no planalto central, sanccionaram e ratificaram com o seu
voto, a demarcação feita pela Commissão. E tanto mais fundamento parece ter
esta nossa convicção, quanto o mesmo Congresso rejeitou um projecto de Lei
apresentado a 23 de Agosto de 1893 por diversos illustres deputados, propondo
que o governo mandasse fazer os estudos de outra zona na região cortada pelas
linhas de limites dos Estados de Goyaz, Bahia e Piauhy no planalto central e
com o fim especial de para ella mudar a Capital da Republica.
Nutrimos pois a convicção de que a zona
demarcada apresenta a maior somma de condiçõesfavoraveis possiveis de se
realisar, e proprias para n'ella edificar-se uma grande Capital, que gozará
de um clima temperado e sadio, abastecida com aguas potaveis abundantes,
situada em região cujos terrenos, convenientemente tratados prestar-se-hão ás
mais importantes culturas, e que, por um systema de vias-ferreas e mixtas
convenientemente estudado, poderá facilmente ser ligado com o littoral e os
diversos pontos do territorio da Republica.
1 de Julho de 1894
No momento de darmos á publicidade
o Relatorio contendo o resultado dos trabalhos effectuados pela Commissão
Exploradora do Planalto Central do Brazil, não podemos resistir ao desejo de
patentear a opinião emittida, relativamente á natureza e ao clima da zona
demarcada, pelo sr. dr. A. Glaziou, actual administrador geral dos Parques e
das Mattas do Districto Federal, e botanico da Commissão, incumbida dos estudos
da nova Capital da União. O parecer de tão notavel naturalista residente no
Brazil ha uns trinta annos, e cujos trabalhos scientificos são tão apreciados
aqui como no estrangeiro, é effectivamente valiosissimo, e, como tal, será acolhido
pelo publico com todo o interesse a que faz jús.
Transcrevemos, pois, adiante a opinião
manifestada pelo sr. dr. Glaziou n'uma carta em resposta a algumas perguntas
que lhe dirigimos por escripto, nas mesmas localidades que juntos explorámos
depois de percorrermos mais de 700 [conferir] kilometros.
Carta de Glaziou (Novembro
de 1894)
VEJA A TRAJETÓRIA DA MISSÃO

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